Pequisa MFF, Benga, Aldeia do Futuro
Diário, semana 1: o desenho como metodologia
A máquina de fotografar pode com rapidez capturar um instante, mas observar demanda mais atenção e, mesmo assim, o olho não é inocente, ele acaba reafirmando percepções pré-estabelecidas.
Para observar com atenção é preciso deixar de ser o centro, não deixar o ego interferir, senão as nossas pré-concepções podem assumir conclusões rápido demais e deixar escapar detalhes.
Para entrar no estado de atenção profunda, eu utilizo o desenho como meio para deixar de ser o centro e focar-me nas linhas que constituem cada elemento do objecto de estudo, afinal desenhar é um acariciar virtual do objecto em representação; permite-me prestar atenção aos detalhes.. Levo como exemplo a casa com que me deparei, afinal ela tem um colector de água para o tempo de chuva, a cobertura serve para conservar e secar maçanica, o alinhamento dos blocos tem a sua própria peculiaridade, etc.
Enquanto isso, vou tendo uma conversa leve e descomprometida de domingo a tarde com os donos das duas casas que desenho, o Norberto e o seu cunhado. Assim, vou-me informando sobre as casas e a relação com a estrutura familiar, as conversas abertas, diferentes das entrevistas, elas permitem divagar e assim colher informação que não esperávamos à primeira, e deixar-se surpreender.
No final o cunhado do Norberto ficou com o desenho. O Nandinho, que é filho do Norberto, também tem interesse em desenho e pede para eu o desenhar. No final ele fica com o retracto. O pai insiste para que ele escreva o nome dele no desenho e que leia o meu nome na assinatura, o que ele faz com facilidade. No final, eu saí mais informado, integro em mim outras perspectivas e não me importo em partilhá-las nas linhas dos desenhos que ficam com eles. As fotografias do desenho servem para invocar a memória visual, mas o corpo pelo gesto da mão na folha, guarda a memória das coisas, a energia do lugar e a simpatia da família do Norberto.
Adamo Morrumbe, arquitecto-pesquisador
