Adamo Miguel Morrumbe é arquitecto moçambicano, primeiro beneficiário de financiamento para a pesquisa da Academia do Maputo Fast Forward. Baseado em Tete onde irá centrar a sua pesquisa em Benga, ele projecta uma cidade do futuro, inspirado e movido pelas experiências dessa região do centro de Moçambique.
Com mais de uma década de experiência em concepção e gestão de obras, possui formações técnicas em artes visuais e psicopedagogia.
A sua colaboração com o arquitecto vencedor de The Pritzker Architecture Prize, em 2022, Francis Kéré, no projecto de Comunidade Residencial Ribeirinha de Benga, que consiste em unidades habitacionais, uma escola primária e uma creche, já carrega essa visão de contribuir para fornecer a melhor solução habitacional sustentável, económica e de longo prazo para os futuros residentes. E é na constatação da crise ecológica global que se despoleta a sua vontade em ser um actor de mudança.
“Vivemos uma época ecológica em que o homem é que mais influencia a terra”, afirma o Adamo Morrumbe, como quem encontrou o fundamento para ditar um novo rumo à situação actual.
Uma cidade do futuro é o ponto de referência para antes de mais reflectir sobre o passado e o presente dos espaços habitacionais em tempos de uma crise ecológica. A título de exemplo, analisa o arquitecto, a crise que o mundo assiste não tem tido um grande contributo do continente africano que, pelo contrário, viu-se influenciada – forçada – a enveredar pelos modelos de urbanização do ocidente, quer seja pelos processos de colonização ou de instalação da indústria extrativa. Ora, Tete é disso exemplo, a indústria de extração de carvão mineral já deixou a sua pegada.
Por outro lado, ao olhar para a forma ortogonal e horizontal das grandes cidades, como Maputo, percebe-se a ideia dessa “importação” de hábitos e modelos de vida. Debatendo-se já com as mudanças climáticas que trazem consigo fenómenos naturais cada vez mais nefastos para as infra-estruturas, o que está em voga é a ideia de construções “resilientes”, ou seja, mais uma posição de força que o ser humano assume perante a natureza.
O que propõe Adamo Morrumbe através da sua pesquisa é a partir de um local, demostrar que pode haver uma outra saída, uma solução para a “crise do tempo factual ligada aos problemas ecológico”.
“Os lugares com as maneiras mais tradicionais de construção, existe uma relação diferente com o meio ambiente. A nível da dimensão estética tem uma relação mais interativa com a natureza. Só os materiais usados, como a palha, a madeira, a terra por aí em diante, os processos de organização”, explica.
Que respostas para um problema que o mundo enfrenta? Perguntamos ao pesquisador que é perentório em afirmar que nem sempre as grandes questões globais têm resposta na globalidade.
“Como vamos resolver um problema que veio do global e que o global criou ou provocou?”, questiona-se de forma retórica, como princípio das respostas que ele próprio busca provar.
“Não vamos nos voltar ao global. Porque talvez a solução deve ser procurada no ‘local’. Pode ser que nas localidades existam soluções que possam ser globalizadas. Ou seja, ao descobrirmos que neste ‘local’ existe uma solução que serve para outro ‘local’”, afirma Adamo Morrumbe.
O diálogo entre o moderno e o tradicional que sob ponto de vista da urbanização quase que não existe, é por si um contributo para a crise ecológica.
“Em Tete, na zona do rio Zambeze, quando chega a época mais seca, o rio reduz o seu caudal e as pessoas começam a ocupar as zonas que no futuro estarão cheias de água. Ao ocupar aquele lugar elas fazem construções temporárias e machambas. Elas vivem ali durante o período de produção. Quando a água volta, ocupa o seu lugar natural, as pessoas saem depois das colheitas”, disse o arquitecto, para concluir que “existe uma relação com a natureza que é diferente, não é uma imposição, do Homem sobre a natureza, mas que é, sobretudo, uma relação interativa com o meio”.
Na sua fundamentação e que mereceu a atenção do júri da Academia MFF, Adamo Morrumbe, explica que o contexto paradoxal entre tradição e modernidade faz da aldeia de Benga uma espécie de “aldeia do futuro” e explica-se: as casas de barro têm eletricidade e os candeeiros de rua iluminam as ruas, onde os animais (cabras, bois, burros, etc.) partilham o espaço com as pessoas e onde a música, a dança, o cinema, as artes, o desporto e a religião evoluem numa dinâmica própria. Quase todas as tendências mundiais têm aqui um sabor local. Este contexto quase surrealista poderia ser a fonte criativa (inspiradora) de uma possível solução para uma cidade do futuro. Onde os animais, as quintas, a tecnologia, as artes, etc. coexistem em harmonia.
Acrescenta nesta entrevista que “uma cidade do futuro devia ter uma outra relação com a natureza. Uma relação de mais porosidade. No sentido em que aceitamos os movimentos, nos integramos ao movimento da natureza ao invés da imposição, que reverte-se em fenómenos que não podemos controlar. Para isso, precisamos de uma nova estética e uma estética remete a ideia de novos valores”.
A aldeia do futuro já está a ser “projectada” para chegar ao grande público no decurso da Bienal MFF, programada para Outubro e Novembro de 2024. Neste momento o pesquisador está na aldeia, numa imersão e anotações sobre os espaços e os objectos através dos seus valores locais.
O passo seguinte será a morfologia de Benga, o registo de técnicas locais antigas “tradicionais” que possam dialogar com a tecnologia e materiais mais recentes.
O resultado poderá ser apresentado não só sob ponto de vista teórico, mas numa mostra visual que permitirá a qualquer pessoa aceder o mais próximo do real a essa aldeia do futuro.
Por Eduardo Quive