Nascido no Senegal, Léopold Sédar Senghor (1906-2001) marcou profundamente a história intelectual, cultural e política do século XX. O seu pensamento, que não deixou indiferentes as gerações nascidas após a independência, foi amplamente discutido, criticado e comentado em sucessivas releituras da história. Para alguns, ele é antes de mais um ensaísta, um poeta, um intelectual, um grande defensor da francofonia e o primeiro membro africano da Academia Francesa. “Os meus poemas, isso é o essencial”, gostava de dizer. Para outros, é um antigo tirailleur, um estadista francês e senegalês, primeiro ministro, conselheiro e deputado em França antes da independência do seu país de origem, e que se tornou o primeiro Presidente da República do Senegal (1960-80). Enquanto os seus apoiantes o vêem como um símbolo da cooperação entre a França e as suas antigas colónias, os seus detractores vêem-no como um símbolo do neocolonialismo francês em África. Para outros ainda, é, juntamente com Aimé Césaire (outro famoso escritor e político francês da Martinica, 1913-2008), um dos pioneiros da negritude, o movimento político e literário que militava por uma presença africana em todo o mundo, defendendo a ideia de “mestiçagem cultural”. Senghor disse: “A negritude é o simples reconhecimento do facto de ser negro e a aceitação desse facto, do nosso destino como povo negro, da nossa história e da nossa cultura”. E, finalmente, para outros, foi um incansável promotor das artes africanas em África e noutras partes do mundo, durante a efervescência dos primeiros anos pós-coloniais. Léopold Sédar Senghor foi tudo isto.
Quando Jean Gérard Bosio, antigo conselheiro cultural e diplomático da presidência senegalesa nos anos 70 e 80, doou a sua obra ao Museu do Quai Branly em Paris, em 2021, a instituição parisiense decidiu homenagear este homem, famoso em mais do que um sentido, 22 anos após a sua morte. Organizada em seis partes, a exposição intitulada Senghor e as artes. Reinventar o Universal apresenta um vasto leque de elementos: imagens de arquivo inéditas, fotografias, excertos de filmes, livros de arte, pinturas, litografias, cartazes de exposições, poemas ilustrados, instalações multimédia e sonoras, provenientes das colecções do museu, de uma doação de Jean Gérard Bosio e de Dakar. Sem pretender enaltecê-lo ou reabilitá-lo, nem fazer uma hagiografia ou mesmo uma biografia, as escolhas efectuadas pelos três comissários da exposição convidam-nos a redescobrir verdadeiramente a sua aventura artística e intelectual, no contexto histórico da época, a independência do Senegal. “O objetivo do Museu do Quai Branly é também prosseguir o questionamento do legado Senghoriano que já foi abordado em exposições anteriores, como Présence Africaine, apresentada em 2009-10, e Dakar 66, Chroniques d’un festival panafricain, apresentada em 2016, que ilustram a continuidade do trabalho do museu parisiense sobre a história cultural do continente africano, a fim de dar forma e substância a um relato reorientado e reequilibrado da história da arte mundial”, explica Sarah Frioux-Salgas, curadora associada da exposição.
Vejamos mais de perto as seis partes da exposição através dos momentos-chave:
1) Uma escrita africana da história: Já nos anos 30, Senghor iniciou a sua carreira intelectual e política participando em debates internacionais que denunciavam o racismo, a colonização e a segregação. Em 1966, em Dakar, organizou o primeiro Festival Mundial de Artes Negras em solo africano, organizado por africanos, para demonstrar a vitalidade e a excelência da cultura africana e para dar ao património do continente em geral, e do seu país em particular, o lugar que lhe cabe na história da arte mundial.
2) Criação africana contemporânea: Presidente do Senegal, Senghor implementou uma política cultural forte, sem precedentes entre os países africanos recém-independentes. Mais de um quarto do orçamento de Estado foi afetado à educação, à formação, à cultura e à criação contemporânea. Foram criadas instituições de formação, de criação e de divulgação das artes plásticas e do espetáculo em domínios tão variados como a pintura (Escola de Artes de Dakar), a tapeçaria (Manufacture nationale de la tapisserie de Thiès), o teatro (Théâtre national Daniel-Sorano) e o cinema.
3) Uma civilização do universal: Ao defender a desocidentalização da noção de universal, Senghor proclamou a negritude como o “humanismo do século XX” para combater o identitarismo e o imperialismo. “Trata-se de construirmos todos juntos – todos os continentes, raças e nações – a civilização do Universal, onde cada civilização diferente contribuirá com os seus valores mais criativos porque são os mais complementares”, afirmou.Através da arte, o Musée Dynamique, criado em 1966 como o maior museu a ser construído no continente africano, que acolheu exposições inovadoras nos anos 60 e 70, nomeadamente de Picasso, Chagall, Soulages, Manessier e Hundertwasser, fez parte deste “rendez-vous du donner et du recevoir”, como Senghor o definiu nas suas obras poéticas como uma metáfora do intercâmbio e do diálogo de culturas.
4) Diplomacia cultural: Senghor via os artistas senegaleses como embaixadores do seu país no estrangeiro, quer fossem actores, músicos ou artistas plásticos, contribuindo para o desenvolvimento da diplomacia cultural. Entre elas, a organização de trocas de objectos com a França (26 peças conservadas no museu do Institut français d’Afrique Noire no Senegal em troca de cerca de quinze tapeçarias francesas), a formação de artistas, artesãos e agentes culturais como o conservador Bodel Thiam no museu de Neuchâtel, o artista Mamadou Wade na Manufacture des Gobelins em Paris e no Instituto Sourikov em Moscovo, o crítico de arte e museólogo Ery Camara no Museu de Antropologia da Cidade do México, a versão parisiense da exposição L’Art nègre. Sources, évolution, expansion no Grand Palais em 1966, a representação de Macbeth pela trupe de Sorano no Théâtre de l’Odéon em 1969, a exposição L’art sénégalais d’aujourd’hui no Grand Palais em 1974 e o museu dinâmico emprestado a Germaine Acogny e Béjart para criar Mudra Afrique, que mais tarde se tornou a École des sables.
5) Dissidência: Em 1974, o artista Issa Samb, formado no Institut national des arts du Sénégal, queimou as suas telas seleccionadas para a exposição Art sénégalais d’aujourd’hui no Grand Palais. Denunciou a institucionalização da arte no Senegal e recusou que as suas obras ilustrassem a negritude e a sua ideologia política. Nesse mesmo ano, funda o laboratório Agit’Art em Dakar, juntamente com artistas como El Hadji Sy. Atentos às vanguardas internacionais, os membros do laboratório rejeitam o formalismo da École de Dakar e defendem o efémero, a descompartimentação das disciplinas e a dimensão colectiva da criação. Ainda hoje ativo, Agit’Art perpetua o espírito dos seus fundadores e continua a questionar o lugar do artista na sociedade.
6) Legados: A partir de 1973, Senghor iniciou a criação de um vasto complexo cultural, cujo coração seria um museu concebido “para ser uma das mais importantes instituições museográficas da África Ocidental”. Este último grande projeto senghoriano, apoiado pela UNESCO, deveria albergar objectos de arte antiga e contemporânea, elementos da pré-história e da história da África tradicional, obras da coleção museológica do IFAN (Institut fondamental d’Afrique noire, estrutura que data do período colonial), a coleção pessoal de Senghor, empréstimos de museus estrangeiros e novas aquisições. O projeto, que acabou por ser abandonado em 1980 com a demissão de Senghor, deveria chamar-se “Museu de Arte da África Negra”, mas acabou por ser renomeado “Museu das Civilizações Negras”, nome que hoje ostenta um grande museu em Dakar, inaugurado em 2018, um projeto inacabado de Senghor, sem coleção permanente, mas que defende a mesma ambição pan-africana.
Em suma, “ninguém tem o direito de apagar a minha cultura, porque uma comunidade sem cultura é um povo sem seres humanos”, como Léopold Sédar Senghor disse.
Texto de Christine Cibert.