A realidade social produz sons, que devem ser escutados, com atenção, e interpretados, afim de serem apreendidos para compreender as dinâmicas sociais, políticas e culturais, no mundo em que vivemos. Essas são as conclusões da realizadora Yara Costa, intervindo na Conferência MFF-Festival, 2024, no tema “Corpo Temporal: Memórias e Sonhos”.
A oralidade carrega consigo os valores da arte, ciência, ecologia, cura e o sistema que existe dentro da sociedade tradicional. É no trabalho dos sons ou da imagem que provém dos hábitos e costumes ou das vivências sociais que Yara Costa capta a essência temporal e os sonhos das pessoas.
Enquanto realizadora, o seu trabalhado também se baseia em decisões e escolhas. “Retratar essa realidade, gravá-la, em áudio, filmá-la, em imagens, passa a ser uma posição de grande responsabilidade porque há uma escolha muito clara para onde olhar ou apontar esse microfone”, afirma, assumindo o questionamento. “O que estamos a deixar de contar, o que estamos a deixar de ouvir ou de olhar?”
A dimensão apresentada por Costa levanta a questão do desafio da apropriação do discurso. Marílio Wane, que conversava com a cineasta, afirmou que a perspectiva em apresentar um discurso sobre nós próprios mostra-se como um desafio, no sentido de estar consciente de que falamos, de certa forma condicionados por factores internos e externos. Por esta razão, Yara Costa, sublinha a importância de “problematizar as estruturas que nos permitem fazer estas artes. Que cinema? Que arte? Para quem? Informado por quem? Financiado por quem? Servindo a quem? E que histórias estamos a contar? Mas sobretudo de que forma estamos a contar essas histórias?”. Estes e outros aspectos podem estar relacionados a uma relação de extrativismo, como reflexo das relações políticas e econômicas desta Era.
Para sustentar a sua tese, a cineasta recorreu a história. No período pós-independência, o cinema foi entendido, em Moçambique, como uma ferramenta fundamental no projecto nacionalista. Com isso, a oradora colocou à reflexão sobre “que responsabilidade e o quão dedicado é essa posição de poder retratar essas imagens e sons” e não só “em que medida este corpo, tempo, país, continente africano continua a seguir ou não os mesmos moldes e a mesma lógica colonial, capital, racial, eurocentrada e patriarcal em detrimento da maioria dos povos africanos”.
Bhavisha Panchia, curadora e escritora de arte contemporânea, recordou as marcas coloniais e seus impactos nas sociedades contemporâneas, que se manifestam nas identidades e nas expressões linguísticas do povo pós-colonial.
Ao destacar as cicatrizes deixadas pela colonizaçao, Panchia avançou que “as faces coloniais estão gravadas em nossos corpos e nossas línguas”. Apresentou, igualmente, durante a sessão, o conceito de “violência lenta”, que descreve a influência gradual e, muitas vezes, invisível das tecnologias que afectam a estrutura social ao longo do tempo.
Por Eduardo Quive