Diário de Benga, semana 4

Pequisa MFF, Benga, Aldeia do Futuro:

Diário, semana 4:  Especulação sobre a génese da cosmovisão de Benga

Um indivíduo comum, de princípio, não consegue rebuscar a sua memória até ao período anterior aos seus 2 a 3 anos de idade. A maioria das pessoas consegue ter algumas memórias muito vagas de até quando tinham entre 4 e 5 anos. 

Portanto, nessa idade elas já integraram na sua consciência alguns padrões como a língua, maneirismos de estar etc.  o que indica que carregamos em nós padrões, que já não nos recordamos do seu ponto de partida, ou do momento que essa memória foi feita. 

Estes padrões, tornam-se uma espécie de pilares que definem a construção de significados e entendimento da realidade. Não é por acaso que os psicanalistas e terapeutas procuram sempre compreender a infância dos seus pacientes, porque as suas ações de adultos, em muitos casos, são resultantes de estruturas definidas no passado. 

Desculpem-me pela longa introdução, mas este texto ainda é sobre Benga. localizado na província de Tete, a mais quente do país, podendo até chegar acima dos 40 graus, talvez seja por isso, que durante o verão as pessoas têm preferência por dormir no exterior das suas casas. Elas estendem as esteiras dentro de uma rede mosquiteira e passam aí as noites. 

Certa vez, pela madrugada, eu passei pela rua onde os meus vizinhos dormiam nos seus quintais sem muros, completamente expostos ao céu. 

O meu vizinho dormia juntamente com a mulher e o seu bebé que estava acordado, a brincar dentro da rede no meio da madrugada. Ao lado deles estava um cão deitado, (já sem se surpreender em ver os donos a saírem do interior da casa para fazer-lhe companhia ao relento), atento, levantou a cabeça e as orelhas, sem sair do lugar e nem se levantar, reconheceu-me pelo cheiro e deixou-me passar sem latir. 

Os insectos faziam um som ambiente de tamanho maior do que eles, os burros do senhor Lúcio entretinham-se num zurrar noturno da época do cio e corriam livres pela aldeia sem nunca pisar ninguém a dormir, a folhagem das árvores respondia em uníssono ao sopro do vento em um sonido que faz lembrar o mar, o céu cobria-se de estrelas e a criança gravava esses padrões e outros, construindo assim os elementos básicos da sua cosmovisão.

Artigo por

Júlio Magalo

Outubro 10, 2024

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